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sexta-feira, 26 de junho de 2020

Elefante

A arte da colagem do belga Sammy Slabbinck, cumpre duas finalidades: primeiro ela tem um caráter dinâmico, uma vez que as fotografias recortadas de revistas vintage são deslocadas de seu âmbito original de expectativa e de associação. Segundo, por meio desse ato de deslocamento, Slabbinck explora o efeito de conjugar elementos díspares, geralmente com uma pitada de humor, para criar uma composição contemporânea ● O artista alemão Max Ernst (1891-1976) trabalhava de uma tal maneira, que cada representação da realidade simplesmente deveria desaparecer. A sua manipulação de elementos da realidade começou bem cedo em sua obra, algo que ele próprio denominou de "falso absoluto", que era aproximar duas realidades separadas até chegar a um valor novo absoluto, verdadeiro e poético, um quadro que ultrapassasse a nossa noção de imagem, fazendo com que os elementos reais fossem relativizados e destruídos ● O governo federal do Brasil tem um elefante na sala — e dos grandes. "A verdade é deste mundo; se produz nele graças a múltiplas coerções. E detém nele efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua 'política geral' da verdade: ou seja, os tipos de discursos que acolhe e faz funcionar como verdadeiros ou falsos, o modo como uns e outros são sancionados; as técnicas e os procedimentos que se valorizam para obter a verdade; o estatuto dos que têm a tarefa de dizer o que funciona como verdadeiro." Michel Foucault (Vérité et pouvoir)
© Sammy Slabbinck, "Duppy Conqueror", 2012, colagem sobre papel, cortesia do artista / Link Sammy Slabbinck - collage art / Max Ernst, Celebes, The Elephant Celebes, 1921, óleo sobre tela, Tate Modern © ADAGP, Paris e DACS, Londres (Max Ernst: Bücher und grafiken, Eine Ausstellung des Instituts für Auslandsbeziehungen, Stuttgart, 1977) / Fotografia do presidente sobreposta ao anúncio publicitário da empresa Computer Systems Organization, Hewlett-Packard Company 

domingo, 26 de abril de 2020

Poesia


Parafraseando o artista, cartunista Rafael Corrêa: Poesia, Ele, o canalha, não suporta poesia "Eu quero a estrela da manhã/ Onde está a estrela da manhã? / Meus amigos meus inimigos / Procurem a estrela da manhã / Ela desapareceu ia nua / Desapareceu com quem? / Procurem por toda parte / Digam que sou um homem sem orgulho / Um homem que aceita tudo / Que me importa? / Eu quero a estrela da manhã / Três dias e três noites / Fui assassino e suicida / Ladrão, pulha, falsário / Virgem mal-sexuada / Atribuladora dos aflitos / Girafa de duas cabeças / Pecai por todos pecai com todos / Pecai com os malandros / Pecai com os sargentos / Pecai com os fuzileiros navais / Pecai de todas as maneiras / Com os gregos e com os troianos / Com o padre e com o sacristão / Com o leproso de Pouso Alto / Depois comigo / Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas / comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples / Que tu desfalecerás / Procurem por toda parte / Pura ou degradada até a última baixeza / Eu quero a estrela da manhã" (Estrela da manhã, Manuel Bandeira● "poesia em tempo de fome / fome em tempo de poesia / poesia em lugar do homem / pronome em lugar do nome / homem em lugar de poesia / nome em lugar de pronome / poesia de dar o nome / nomear é dar o nome / nomeio o nome / nomeio o homem / no meio a fome / nomeio a fome" (versos de Servidão de passagem - proêmio, Haroldo de Campos) ● "A folha da mangueira / cai na pele imóvel / da piscina. / E acerta no alvo / que ela mesma / determina. / Sou feito desse acaso. / Em mim, a eternidade termina" (Por acaso, Claudio Mello e Souza) ● "Os pássaros apressam o céu" (3 X 4, Armando Freitas Filho) ● "O que é a poesia que não salva nações ou povos?" (Czeslaw Milosz)  

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Camundongo


Ele se parece com o camundongo  "Mas vejamos agora este camundongo em ação. Suponhamos, por exemplo, que ele esteja ofendido (quase sempre está) e queira vingar-se. Acumula-se nele, provavelmente, mais rancor que no homme de la nature et de la vérité. É possível que um desejo baixo, ignóbil, de retribuir ao ofensor o mesmo dano, ranja nele ainda mais ignobilmente que no homme de la nature et de la vérité, porque este, devido à sua inata estupidez, considera sua vingança um simples ato de justiça; já o camundongo, em virtude de sua consciência hipertrofiada, nega haver nisso qualquer justiça. Atinge-se, por fim, a própria ação, o próprio ato de vingança. O infeliz camundongo já conseguiu acumular, em torno de si, além da torpeza inicial, uma infinidade de outras torpezas, na forma de interrogações e dúvidas; acrescentou à primeira interrogação tantas outras não resolvidas (...) Ali, no seu ignóbil e fétido subsolo, o nosso camundongo, ofendido, machucado, coberto de zombarias, emerge logo num rancor frígido, envenenado e, sobretudo, sempiterno." 
Fiodor Dostoievski (Como um Camundongo / Memórias do subsolo) 
(História da Feiura, Organização de Umberto Eco, tradução Eliana Aguiar, Record, 2014)

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Amarelo


Coração Amarelo (1968), uma cápsula pneumática com espaço suficiente para duas pessoas, que pode ser inserida em qualquer ambiente, para proporcionar uma mudança na pressão do ar, no tato e no tempo de reverberação — uma nova experiência sensorial. Coração Amarelo foi projetado pelo grupo vienense Haus-Rucker-Co, composto pelos arquitetos Laurids Ortner, Günter Zamp Kelp e o artista Klaus Pinter ● Neste autorretrato, as cores originais, cuidadosamente compostas por Vincent van Gogh (1853-1890), desbotaram com o tempo. Por exemplo, o fundo roxo que contrastava com seu chapéu de palha amarelo. Não se pode conhecer melhor Vincent do que através das suas cartas, cerca de setecentas e cinquenta. Escreve a seu irmão Theo em 23 de janeiro de 1889: "Sabes que Jeannin tem a peônia, que Quost tem a malva-rosa, mas eu tenho um pouco o girassol" ● As instruções de uso que acompanham a obra Capri-Batterie, do artista alemão Joseph Beuys (1921-1986), exibem a seguinte advertência: "Trocar a bateria após 1000 horas", mas a lâmpada nunca se esgota porque não pode ser ligada. Embora seja um dos objetos mais alegres que Beuys fez, Capri-Batterie contém muitos dos interesses do artista sobre política energética e sua preocupação com o consumo de recursos naturais e meio ambiente. Beuys foi membro do Partido Verde alemão, e trabalhou com o objetivo de desafiar as fronteiras entre natureza e cultura ● Infelizmente, já não enxergo mais as blusas amarelas costuradas com três metros de poente de Vladimir Maiakovski. O cenário agora é outro.
© Haus-Rucker-Co, Coração Amarelo, Viena, 1968 (Link Zamp Kelp Yellow heart) / Vincent van Gogh: Autorretrato com Chapéu de Palha, agosto-setembro 1887, óleo sobre papelão / State © Van Gogh Museum, Amsterdam / © Vincent van Gogh Foundation (Pierre Cabanne, Van Gogh, tradução M. H. Bairrão Oleiro, Editorial Verbo, 1971) / Joseph Beuys, Capri-Batterie, 1985, lâmpada, tomada de luz e limão, © VG Bild- Kunst, Bonn, Alemanha, fotografia © Antonia Reeve 

quarta-feira, 25 de março de 2020

O grande (irresponsável) ditador


Ah! Essas precauções...
Para desespero de seus parentes, o velho rei Mitridates, como todo mundo sabe, conseguiu tornar-se imune a todos os venenos... até que um bom tijolaço na cabeça liquidou o assunto. Mario Quintana (A vaca e o hipogrifo)

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

O tempo rodou num instante


Mais de cem cartazes de filmes brasileiros são retirados das paredes da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Dados sobre os longas também não estão mais disponíveis no site da agência (GaúchaZH) ● Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu a gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu a gente quer ter voz ativa no nosso destino mandar mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá roda mundo, roda-gigante rodamoinho, roda pião o tempo rodou num instante nas voltas do meu coração a gente vai contra a corrente até não poder resistir na volta do barco é que sente o quanto deixou de cumprir faz tempo que a gente cultiva a mais linda roseira que há mas eis que chega a roda-viva e carrega a roseira pra lá roda mundo, roda-gigante rodamoinho, roda pião o tempo rodou num instante nas voltas do meu coração a roda da saia, a mulata não quer mais rodar, não senhor não posso fazer serenata a roda de samba acabou a gente toma a iniciativa viola na rua, a cantar mas eis que chega a roda-viva e carrega a viola pra lá roda mundo, roda-gigante rodamoinho, roda pião o tempo rodou num instante nas voltas do meu coração o samba, a viola, a roseira um dia a fogueira queimou foi tudo ilusão passageira que a brisa primeira levou no peito a saudade cativa faz força pro tempo parar mas eis que chega a roda-viva e carrega a saudade pra lá roda mundo, roda-gigante rodamoinho, roda pião o tempo rodou num instante nas voltas do meu coração. (Canção Roda viva, 1967, de Chico Buarque)
Cartazes: O bravo guerreiro, 1969, direção Gustavo Dahl, design © Rubens Gerchman / Brasil verdade, 1968, Paulo Gil Soares, Capovilla, Geraldo Sarno e Gimenez dirigiram, design © Fernando Lemos / O anjo nasceu, 1969, direção Júlio Bressane, design © Thereza Simões / Marighella, direção Wagner Moura, 2019, Fotografia © Bob Wolfenson, filme boicotado pelo governo autoritário, incompetente, fascista. 

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Cores


"Em 1923 Kandinsky propôs estabelecer uma correspondência universal entre as três formas elementares e as três cores primárias: o triângulo, dinâmico, seria inerentemente amarelo; o quadrado, estático, intrinsecamente vermelho; e o círculo, com sua serenidade, naturalmente azul. Hoje, a equação   perdeu seu apelo universal e passou a funcionar como um signo flutuante capaz de assumir diversos significados — inclusive o de evocar a própria memória da Bauhaus" ● Em Color Sound 15, o artista suíço Karl Gerstner (1930-2017) explora os "sons das cores". Uma série de doze pranchas recortadas em "T" com distâncias iguais em números e as cores em intervalos iguais em percepção. Cada nuance possui uma modulação de sua claridade e saturação. Em outras palavras, cada um dos matizes desperta o observador sensível como uma sucessão de tons — ouça as cores, veja os sons ● O design gráfico era uma disciplina relativamente nova no Japão depois da Segunda Guerra Mundial. Durante os mais de quarenta anos de atividade como designer, criador e membro fundador do Centro de Design Japonês, o trabalho de Ikko Tanaka (1930-2002) converge num foco: a universalização de sua linguagem a partir de elementos da cultura japonesa a estilos gráficos modernos. Tanaka usava uma paleta simples, forte e primária, com predominância do preto, uma referência à técnica de pintura com tinta nanquim ● Fotografia produzida por Gordon Parks (1912-2006), para ilustrar o poema Reluctance (1913), de Robert Frost (1874-1963) sobre a busca do homem por uma vida significativa, usa deliberadamente cores discordantes, a fim de estabelecer uma conexão com o poeta da "linguagem comum". As cores vêm de uma janela com um vitral mosaico colorido e de uma parede pintada com uma cor forte, que o fotógrafo encontrou em um estúdio de cinema. Ele então dispôs a figura sombria e curvada, correndo para fora da janela para simbolizar o verso: "O coração ainda está dolorido de tanto procurar. Mas os pés perguntam: para onde?" 
(Ellen Lupton e J. Abbott Miller, ABC da Bauhaus, tradução André Stolarski, Cosac Naify, 2008) / © Karl Gerstner, Color Sound 15, Intro version, 1973, capa do catálogo Galerie Denise René, NY / © Ikko Tanaka, cartaz para companhia de dança japonesa Nihon Buyo, 1981, UCLA, Asian Performing Arts Institute (Jonathan Raimes, Lakshmi Bhaskaran, Design Retrô: 100 anos de design gráfico, Editora Senac, 2007) / Foto © Gordon Parks, The Window, 1960 (Color, Life Library of Photography, Time-Life books, 1970 / link The Gordon Parks Foundation)

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Fascismo


"Fascismo. Nome pelo qual ficou conhecido o regime político implantado na Itália no período de 1922-1945, baseado na ditadura de um único partido sob liderança de Benito Mussolini. Oportunistas e violentos, seus integrantes formaram esquadrões que não demoraram a atacar sindicatos, ligas e cooperativas. O fascismo, regime totalitário, baseava-se no culto do chefe do partido e do Estado e na obediência ao líder. O Partido Nacional Fascista (PNF), hierarquicamente organizado, apresentava-se como inimigo do comunismo, do socialismo e da democracia. O fascismo, rapidamente, ganhou apoio de diferentes segmentos sociais. Empresários alarmados com a crise e com a violência e animados com a aceitação de seu líder no exterior. O regime fascista teve o apoio da igreja ao resolver a chamada questão romana, conflitante desde 1870 e então solucionada com os Tratados de Latrão assinados em 1929. Nessa ocasião, o catolicismo foi proclamado religião oficial e a igreja alcançava sua soberania no Estado do Vaticano. Outro aspecto importante do fascismo foi o controle dos meios de comunicação, usados como instrumentos para divulgação dos valores fascistas" ● Penso em alguns episódios e declarações recentes de políticos brasileiros que poderiam servir como exemplares da ideologia fascista, mas não devemos transformar isso em uma profecia que se realizará ● O que seria a felicidade que não se medisse pela incomensurável tristeza com o que existe? Theodor W. Adorno (Minima Moralia)
(Antonio Carlos do Amaral Azevedo, Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos, Editora Nova Fronteira, 1990) / montagem de fotos e ilustrações sobrepostas à reprodução de página do folheto Pentagram, designers © Alan Fletcher / © Colin Forbes e © Bob Gill, Londres, 1972

sábado, 5 de outubro de 2019

Fantoches


"Fantoches da Meia Noite é um marco do modernismo gráfico nas artes visuais, com jogos de sombra, de vazios e do espaço exterior da folha. O livro une o ilustrador Di Cavalcanti (1897-1976) ao editor Monteiro Lobato (1882-1948). Fantoches da Meia Noite é como um paradoxo anunciado, posto que em 1917 Monteiro Lobato faria a mais forte resistência à penetração do modernismo no Brasil, ao atacar a exposição de Anita Malfatti (1889-1964), 'Paranóia ou mistificação?', enquanto Di Cavalcanti seria um artista da Semana de Arte Moderna" ● O teatro de fantoches costuma se referir ao comportamento humano. A aparência dos bonecos, suas roupas e ações são quase sempre simbólicas. Os bonecos representam histórias ou fábulas que inspiram atos nobres nos espectadores ● O fantoche não articulado. Depois de ele sentir frio em Roma, classificou o aquecimento global como "uma invenção puramente marxista". Um fantoche manipulado por outro, continua defendendo o item mais polêmico de todo seu pacote anticrime, como o excludente de ilicitude que poderia livrar de punição agentes que cometessem excessos sob escusável medo, surpresa ou violenta emoção. O marechal Goering disse certa vez esta frase: "Quando ouço a palavra cultura, puxo o revólver". O fantoche chefe age da mesma maneira e, ainda por cima, ensina criança a simular arma com a mão. Por fim, o fantoche defeituoso. Tem dificuldade de entender os outros e de se fazer entender. Em uma ocasião, usou chocolates para explicar cortes de verbas nas universidades. O fantoche disse também que vai atrás da "zebra mais gorda" (os salários de professores nas universidades federais) ● Daqui, para onde vamos? John Cage
Capa Fantoches da Meia Noite, Emiliano Di Cavalcanti. São Paulo, Monteiro Lobato & Cia. Editores, 1921 (Paulo Herkenhoff, Biblioteca Nacional: a história de uma coleção, fotografia © Pedro Oswaldo Cruz, Editora Salamandra, 1996) / Montagem de fotos sobrepostas à reproduções de fantoches de mão do artista Paul Klee, 1920-1925 (Puppen, puppets, marionettes, Editions Galerie Suisse de Paris, Bern, 1979)